terça-feira, 16 de dezembro de 2008

História do Caminho Português de Santiago


Entre a diversidade de itinerários jacobeus provenientes de todos os cantos da Europa, alguns têm origem em Portugal. Mas entre todos assume particular relevo a estrada real Porto-Barcelos-Valença, onde confluem quase todos os demais, reforçando este percurso como a espinha dorsal dos caminhos portugueses de Santiago.
Foi este o itinerário escolhido pela maior parte dos peregrinos que demandaram Santiago, pelo menos a partir do início do séc. XIV, o que bem se demonstra pelos inúmeros relatos que se conservam nos arquivos compostelanos e nas referências conhecidas aos seus caminheiros mais ilustres a Rainha Santa Isabel, Leão de Rotzmithal, Jerónmo Münzer, el-Rei D. Manuel, Confalonieri, Albani, e provavelmente também S. Francisco de Assis, o Beato Francisco Pacheco e tantos outros egrégios peregrinos que a memória não registou.
Com efeito, com a conclusão da ponte de Barcelos em 1325 e a remodelação da de Ponte de Lima na mesma época, foi possível criar um percurso rectilíneo que evitava a inflexão por Braga e a travessia a vau ou em barca dos rios mais perigosos.
Rates, Barcelos, Ponte de Lima, Valença, Tui, Redondela, Pontevedra e Caldas de Reis definiram o novo itinerário medieval do Porto a Santiago, tendo apenas em comum com a velha via militar romana um ou outro troço urbano e as pontes ainda em uso para vencer as ribeiras mais buliçosas.
No sec XVIII, com a política de melhoramentos empreendida por Fontes Pereira de Melo uma nova estrada alcança Viana do Castelo, transpõe o Lima numa soberba ponte metálica e prolonga-se até Caminha e Valença. Enquanto isto, também a linha dos Caminhos de Ferro vai crescendo atinge Valença em 1882 e penetra em Espanha quatro anos depois.
Barcelos e Ponte de Lima deixarão de ser pontos de passagem obrigatória nas deslocações norte-sul e Viana do Castelo assume claramente a hegemonia e a liderança política e administrativa do Alto Minho.
Este percurso, por isso mesmo, perdeu o interesse, foi abandonado e rapidamente esquecido. O manifesto desinteresse da ligação Barcelos-Ponte de Lima-Valença, preterida por outros acessos mais francos à fronteira, valeu-lhe, assim, alguma preservação, já que os outros percursos que justificavam benfeitorias conservam hoje do original pouco mais que um vago traçado.
No remanso duma paisagem que se tem mantido incólume com o correr do tempo, o caminho foi-se apagando, lentamente, nos lameiros das veigas e nas encostas esqueléticas da Labruja, onde até o mato mal resiste à erosão. Mas o traçado estava lá, razoavelmente conservado, adivinhando-se num cruzeiro, numas alminhas, nuns restos de calçada trilhada por fundas relheiras e quase sempre bem registado na memória da população local.
Quando no início dos anos sessenta, o Pároco de O Cebreiro, D. Elías Valiña Sampedro, apregoava o Milagre Eucarístico na sua Igreja de Santa Maria la Real, estava a dar novo alento às antigas peregrinações jacobeias que celebrizaram aquela intervenção divina. Tomou então este encargo como uma missão, organizou congressos, promoveu associações, reconheceu o Caminho e sinalizou-o, pintando setas amarelas, que ainda hoje se têm como a mais conhecida e segura identificação de um itinerário jacobeu.
Fazia mais de dez séculos que multidões de devotos a Santiago peregrinavam ao seu túmulo e só nos anos mais recentes esta prática esmorecera e quase se extinguira.
Com a sinalização do Caminho Francês o fenómeno disparou, aumentando progressivamente, mês após mês, ano após ano, o número de peregrinos que de todo o mundo e nomeadamente da Europa ocorriam a Santiago de Compostela, calcorreando os velhos caminhos que os estudos e as guias sugeriam. Reabrem-se antigos e novos albergues, editam-se roteiros e mapas, proliferam os estudos monográficos, organizam-se congressos e seminários, constituem-se Associações de Amigos, especializa-se, inclusivamente, a oferta turística das cidades históricas servidas por este itinerário. E o sucesso foi de tal dimensão, que em 1987 o Conselho da Europa o galardoa como Primeiro Itinerário Cultural Europeu e em 1993 a UNESCO classifica-o já como Património da Humanidade.
A Xunta de Galicia, consciente da dimensão universal deste entusiasmo e da sua acção catalizadora da integração europeia, decide explorar outros itinerários jacobeus de reconhecido sentido histórico e promover igualmente a sua reutilização. Inicia as diligências com o velho Caminho Português, indiscutivelmente considerado o mais importante das chamadas rotas secundárias, abrindo concurso público para a sua identificação, caracterização e valorização. E no Ano Santo de 1993 é pela primeira vez divulgado o itinerário entre Tui e Santiago que os Peregrinos preferencialmente utilizavam quando provinham de Portugal.
Este magnífico trabalho foi realizado por uma equipe da Asociación Galega de Amigos do Camiño de Santiago, que em boa hora entendeu que o Caminho Português não se esgotava na Galiza, e diligenciou todos os esforços para obter apoio na investigação em Portugal. Assim se alargou a equipe, primeiro em Valença, onde nasceu a Associação local dos Amigos do Caminho, e depois em Ponte de Lima. E passados quatro anos de rebuscada investigação e trabalho de campo, foi possível fixar o velho caminho para norte de Ponte de Lima, iniciando-se desde logo os trabalhos para sul daquela vila em direcção a Barcelos e ao Porto.
Actualmente, podemos considerar este itinerário definido e fixado entre o Porto e Santiago e em curso um conjunto de actividades que têm em vista a sua recuperação, sinalização e divulgação, promovidas pela Associação dos Amigos do Caminho Português de Santiago, que tem a sua sede em Ponte de Lima.
A recuperação não envolveu ainda e muito menos de uma forma programada, a totalidade do itinerário, como sucede no troço galego por iniciativa da Xunta. São as respectivas Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia que, por solicitação da Associação, realizam acções pontuais de limpeza e redobram cautelas no licenciamento de intervenções públicas e privadas. Mas outros projectos estão também a arrancar a criação de pelo menos dois albergues de Peregrinos; a proposta de classificação do Caminho Português como Património Cultural; e a edição de um roteiro prático, cartografado a escala conveniente, que será um excelente complemento da Guia recentemente publicada em Pontevedra.
A sinalização poderá vir a ter um carácter definitivo, uma vez que o Caminho tem já uma identificação precária com as inconfundíveis setas amarelas, que o tornam acessível a qualquer caminheiro, prevendo-se ainda acrescentar à indicação de Santiago de Compostela a direcção oposta do Santuário de Fátima, esta talvez com uma seta azul. De facto, o Caminho Português de Santiago, no seu retorno, é um Caminho de Fátima, com afluência crescente de Peregrinos que, por devoção à Virgem Maria prosseguem viagem depois de alcançar Compostela

1 comentário:

Luis Eme disse...

bela lição de história...

abraço Vitor

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